quinta-feira, 29 de junho de 2023

Breve História da Mulher que queria se matar para matar o Capeta

                                     

                                                           Imagem produzida por Inteligência Artificial


Certa feita, numa dessas igrejinhas em que o demônio visita mais que o próprio Deus, o Pastor pregava como costumeiramente:

- Ô Chesuis, eu sinto o Teu Poder. O Teu Poder Salva, o Teu Poder Cura, Senhor. Senhor Chesuis, vem desarmar toda a obra de Satanás, vem desarmar toda a Macumba, as obras do Capiroto, Senhor, ô cantamarailachuria... – e o povo retrucava:
- Ôôô!!!
- Amém, meu Pai!
De repente, uma irmã vem de lá do fundo:
- Pastor Melquisedeque. – um parêntese, por que todo nome de pastor relembra o Antigo Testamento? Estou escrevendo isso só para manter o padrão, ok? – eu tenho um plano para derrotar o inimigo.
- Ô irmã, fala, mulher!
- Quando a gente se mata, a gente vai pra o inferno, certo?
- Certo.
- O Capeta tá lá, certo?
- Sim, irmã Glória. (N.A.: sim, o nome dela foi escolhido a dedo.)
- E se eu me matasse e matasse esse cão? – de repente, a igrejinha silenciou. Aquele silêncio que sempre desejei que toda igreja neopentecostal fizesse, mas nunca faz, sabe? O que Glória propunha era loucura. Um sacrifício, meu Deus, um sacrifício.
- Glória, você sabe o que está propondo?
- Sim, Pastor.
- Você quer se matar, esse pecado é grave. – alguém grita lá do fundo:
- Tá ficando doida, Glória? – e Glória responde:
- Quero te salvar, fio de uma égua. – novamente o Pastor:
- Você tem filhos, marido, família, Glória.
- Eu sei Pastor, mas esse sacrifício vai ser bom até pra eles. Minha vida tá um inferno. – diz Glória chorando. – Eu preciso matar aquele rabudo dos infernos pra ver se a vida dos meus filhos melhora.
- Ora, irmã, não precisa ficar assim. Estamos aqui para orar por você. O que está acontecendo? – gritam dois irmãos ao fundo:
- Amém!
- Aleluia, Jeová!
Glória, chorosa, coitada, desconsertada começa a falar da sua vida:
- Meu marido já não me ama mais, Pastor. Ele tem outra, com certeza tem outra mulher, ele não me procura, não me dá um cheiro no pé do pescoço...
- Calma irmã, não se exponha assim. Podemos conversar com o seu marido, não precisa se matar por isso. O Cão é mais forte que você.
- Meus filhinhos. Ah, Pastor, um deles se meteu no mundo das drogas, tá se acabando, não aguento mais, uma hora é dinheiro que me pede, outra hora é o DVD que rouba lá de casa. O outro, mais velho, não tá nem aí pra nada, não estuda, não arranja um emprego, que futuro, meu Deus, eles vão ter?
- Calma irmã, seus filhos estão nas mãos de nosso Deus, é ou não é Igreja? Bate o pé e manda língua de fogo, Senhor! Chiriamalandaia – a igreja responde:
- Aleluia!
- Amém!
- Ôôôô!
Glória retoma:
- Pastor, além disso tudo – e chora a coitada da Glória – eu perdi meu emprego. Não tenho mais nenhum centavo furado, não sei como irei devolver o dízimo.
- Sem emprego? – pergunta o Pastor Melquisedeque.
- Isso. – responde Glória.
- Sem dízimo? – pergunta novamente o Pastor.
- Humrum. – responde Glória triste e decidida.
- Aleluia. – diz alguém desconhecido logo repreendido pela assembleia.
Breve silêncio na Igreja, ouve-se a voz do Pastor iniciando baixinho e, aos poucos, crescendo:
- Corajosa, meus irmãos, este é um exemplo da coragem de Deus. Esta irmã, meus irmãos, nobre irmã, ela vai se matar por cada um de nós. Eu disse SE MATAR... É PRA GLORIFICAR DE PÉ, IGREJA!
- AMÉM!!!
- ÔÔÔ!!!
- ALELUIAAA!!!
- Ela tem um plano que é matar o demônio e ela, acabo de sentir o Poder e a vontade de Deus, irmãos, ela está abençoada por Deus PARA A MORTE!!! ELA, ELA SIM É A NOSSA SALVADORA!!! Glórificado seja, louvado seja Nosso Senhor por sua vida, Amém, ALELUIA!!!
Em coro, toda a igreja replica:
- ALELUIA!!!
- AMÉM!!!
- GLÓRIA A DEUS!!!
- ÔÔÔÔ!!!
- CHURIAFARDUNFAAAA!!!

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

Um poema, desabafo, retrato-falado, enfim

 



Ando revisitando o passado

e o passado nada diz.

Dizem que o tempo ensina,

mas eu digo que também castiga

e os meus sonhos não são mais um rastro do meu futuro.

Meus sonhos são rastros de um resquício mal resolvido com o tempo.

Acho que há muito tempo eu não me amo.

Acho que há muito tempo me escondi no buraco da solidão

e quando respiro o amor por dois segundos,

logo vem outros tantos anos de apneia,

epopeia maldita.

Queria mesmo era esquecer o tempo,

mas volta e meia ele aparece na tela fria do meu celular.

Irônico esse destino, não?

Queria fechar meus olhos e entrar numa sala em branco pra recolorir tudo.

Queria esquecer que não sei me apaixonar.

Queria entender como é ser só e não esperar nada de ninguém,

mas não sei,

repito:

não sei.

Se alguém souber se relacionar consigo mesmo, por favor, me ensine.

Se alguém souber transbordar, por favor, me diga como.

Talvez este não seja um poema, talvez seja um desabafo num blog perdido.

Talvez este não seja um desabafo, talvez um retrato falado mal escrito.

Talvez isto não seja nada disso,

talvez seja enguiço misturado com feitiço

e só uma criança que tenha tomado conta do meu cérebro.

É, talvez seja isso!

Agora me retiro.


Anderson Rabelo