Vida de Estátua
A vida de uma estátua não é nada fácil, se você quiser ser estátua um dia, pense muito antes dessa decisão. Sempre tem um idiota pra tirar fotos com a gente fazendo as poses mais bizarras. Tentam ser nossos amigos, nos abraçam – às vezes estão sem tomar banho há dias – tentam ser engraçados para seus amigos, mas na boa, de graça nem a tentativa. Outro dia um desses achou-se tão íntimo que sentou no meu colo e queria me beijar, veja se posso com isso. Se eu pudesse me mexer, dava uma porrada nesse maldito!!! Isso quando não tentam nos assaltar, isso merece até uma dica e aproveito para deixar aqui o meu repúdio a esses covardes que agem com violência com a gente. Nós estamos desarmados e não vamos correr, pra que a violência? Meu primo Drummond por exemplo, já não suporta mais ter que esperar fazerem novos óculos todos os dias. Soube que ele agora tem óculos reservas pra dar ao ladrão e coitado, quebraram o braço dele, o cara ganha o óculos e ainda quebra o braço do presenteador, que absurdo, pedido carinhoso: ladrões, por favor, cheguem com carinho, a gente é legal (suportamos até os idiotas que só querem tirar fotos imbecis com a gente, imagine com vocês) estamos desarmados, é só chegar com calma que tudo é seu, não nos violentem!
Quem dera que nossa vida fosse feita apenas de humanos, temos outros amigos insuportáveis, capítulo dois, os pombos, malditos pombos, primeiro que pousam sobre nossas cabeças, ombros, corpos e não podemos nem enxotá-los, segundo que nos cagam todo e aí só uma chuva para nos limpar já que os modelos fotográficos não têm a coragem de nos lavar quando necessário (fica a dica, já que sentam no nosso colo, podem nos dar banho também, apesar de sermos tesos, não temos nenhum tipo de ereção, não vamos fazer nenhum mal a você, pode acreditar, cuidem bem de nós, somos carentes). Pousam, cagam e vão embora, sempre odiei pombo antes de ser estátua, agora, depois de estátua, odeio mais ainda, até posso fazer uma campanha: “MORTE AOS POMBOS!!!” e não me apareça nenhum órgão pra defender esses bichos, nós não temos nenhum sindicato, mas somos mais fortes do que o que vocês podem pensar.
Fora esses benditos pombos, capítulo três, recebemos chuva, sol, vemos a noite, o dia, e de tudo um pouco. Outro dia um cara sentou do meu lado muito doido fumando algo numa lata de coca-cola, virou pra mim dizendo:
- Ei maluco, vai um tapa aí? – continuei calado, afinal, não falo com qualquer um, mas ele continuava:
- Por que não fala nada? Ta me achando com cara de maluco é? – sim, estava achando – pois bem, vou te mostrar quem é o doido – esse cara se armou como se fosse soltar um Kame-Hame-Há, inclinou o corpo e me deu um murro tão bem dado... ainda bem que Newton estava certo sobre a lei da ação e reação, sem mexer um dedo, minha testa reagiu dando um “Zidanne” contra a mão dele, e, linda e amaldiçoadamente, ele quebrou uma falange do seu dedo, juro a você, me diverti muito com isso.
Tantas histórias já aconteceram comigo nessa vida de estátua, até sexo já fizeram do meu lado (e eu doido querendo tirar uma lasquinha, a mulher era muito boa, mas não me mexo – mais uma vez, podem me limpar os cocôs de pombo que não vou atacar ninguém, não porque eu seja bom, mas porque não me mexo mesmo – fiquei a noite toda ali, observando os dois, parado, igual a Roberto Carlos na copa de 2006 ajeitando a meia enquanto o jogador da frança passava por ele ao caminho do gol. É, nós estátuas sofremos mais que vocês humanos que vivem reclamando que a vida é dura. Duro sou eu, literalmente duro e parado. É como eu já falei aqui no início, vida de estátua é difícil, repense sua vida se um dia quiser ser uma. Esse é um pouquinho da minha história com o mundo, agora já vou, afinal, preciso fazer meu trabalho.
Depoimento de uma estátua qualquer na cidade do Salvador na Bahia indignada com a forma com que são tratadas.
Anderson Rabelo